JUSTIFICATIVAA marcha carnavalesca, conhecida como "marchinha”, é um gênero da música popular brasileira, cujo irreverente repertório possui as canções mais populares do Brasil. “Ô Abre Alas” de Chiquinha Gonzaga, composta especialmente para o Cordão Rosa de Ouro, foi a nossa primeira música carnavalesca, invencível desde 1899, abrindo fértil caminho que se desenvolveu, criando um novo gênero. Entretanto, até a década de 20, não surgiram muitos compositores de marchinhas, obrigando os cariocas a importar músicas de várias procedências, podendo ser francesas como a “Les pompiers de Naterre”, americanas como o cakewlak, habaneras cubanas, ou portuguesas como “Caninha verde”, além de valsas, maxixes, chulas e schottisches.
Entretanto, depois de “Pé de Anjo”, composta por Sinhô, as marchinhas não mais pararam de efervescer o cenário momesco com melodias simples e empolgantes, letras recheadas de dúbios sentidos, ironias e picardias. Através da inspiração de Eduardo Souto, Freire Júnior, Ary Barroso, Lamartine Babo, João de Barro, Benedito Lacerda, Noel Rosa, Mário Lago, Alberto Ribeiro, João Roberto Kelly, entre outros; as marchinhas musicaram a história do carnaval, sempre influenciadas pelo espírito tipicamente carioca, como verdadeiras crônicas ou críticas musicais.
Havia concursos para definir qual marchinha seria a “voz do Carnaval”, e pelo cinema, pelo rádio, ou pelo disco de vinil, essas crônicas conquistavam o país ao longo dos bailes de Carnaval e das chanchadas cinematográficas; cujos números musicais levavam às telas a misteriosa imagem dos ídolos do rádio. Muitos se dedicavam anualmente na expectativa por serem os autores da música que o público cantaria durante os três dias de folia, gravadas nas vozes de Carmem Miranda, Dalva de Oliveira, Sílvio Caldas, Orlando Silva, Dircinha e Linda Batista, Carlos Galhardo, Almirante, Mário Reis, Jorge Veiga, Blecaute, Marlene, Emilinha Borba, Araci de Almeida, Carmem Costa etc.
Mesmo quando politicamente incorretas, infladas de preconceito, discriminação e comicidade, poucas manifestações delinearam com tanta simpatia e criatividade o humor da alma do carioca; cantando casos de amor, problemas do cotidiano, modismos ou costumes sociais, a história da cidade, desvios de conduta, qualidades e defeitos de seu próprio povo. As marchinhas quase sempre exageravam no deboche e na malícia, podendo ir do lirismo romântico e nostálgico ao esculacho e depreciação, mas definitivamente, sem deixar de ser envolventes e empolgantes. São músicas que, ao mesmo tempo em que nos remetem a carnavais inesquecíveis, conservam a juventude que encanta as crianças de todas as idades, sem se preocupar com regras sociais, com a moral e os bons costumes, comprometidas apenas com a liberdade de expressão e com a própria inversão de valores; sejam pelas ruas com os blocos de sujo ao sol do meio-dia, com os blocos de embalo, pelas praças e coretos, ou nos refinados bailes de teatros e salões; ou seja, as marchinhas são a própria essência do Carnaval Carioca.
Desta forma, o GRES GATO DE BONSUCESSO, utilizando-se justamente do samba de enredo, outro gênero da nossa música, toma a responsabilidade de homenagear em seu desfile a trajetória das grandes marchas carnavalescas, através das memórias nostálgicas de um Pierrô pela reconquista do amor de sua Colombina, reverenciando assim, as mais remotas lembranças dos inesquecíveis carnavais e dos áureos tempos dos Arlequins, Diabinhos e Mandarins. Uma época de debochada confusão musical, irreverente luxúria infernal, indecente crônica social, uma verdadeira e Bendita Baderna no império do carnaval.
Arthur Reiy
SINOPSE
Conta uma antiga lenda carioca, que certa vez, lá pelos lados da Rua do Ouvidor, houve um apaixonado Pierrô, que abandonado e desesperado, quase morreu de tanto amor! Sabe-se que, derramando-se em saudades, ao beijar os lábios da Nostalgia, sentiu falta da Poesia que saltitava pelas canções. Ai quem lhe dera abrir alas para alegria, e ofertar rosas de ouro, pra mulata e pra moreninha rivalizarem com loirinha, aos olhos das multidões! Então, encabulado, saltou de banda, meio de lado, feito criança a chorar, fazendo manha, dando careta, querendo colo, pedindo chupeta. Por entre chuvas de confetes e batalhas de serpentinas, na guerrilha dos limões da varanda das meninas, foi atrás determinado, do rastro de sua Colombina. Seguiu pela avenida das ilusões, em busca daquele batuque saudoso, do embalo irreverente, mas só encontrou pela frente, uma camélia a suspirar, nos braços de uma jardineira em soluços a lamentar.
Vem jardineira vem meu amor
Não fiques triste que este mundo é todo seu
Tu és muito mais bonita
Que a camélia que morreu
Se preciso fosse, iria até às touradas de Madri e não voltaria mais aqui, nem pela bravura de Peri, nem pela beleza de Ceci; mas perguntando ao mal-me-quer, o que seria na verdade, o amor de uma mulher. Queria saber a todo custo, se a Poesia ainda existia, e por onde andaria, fosse noite ou fosse dia, pelos becos da boemia, ou pelas ruas ao luar. Para reencontrar seu grande amor, atravessaria até mesmo o Saara, implorando por Allah, com o sol inclemente à cara. Iria até à Martinica, lembrando-se de Chiquita, vestida em casca de nanica, do tipo exportação. E no calor cada vez mais forte, quem sabe até tivesse a sorte, da falta d`água escapar, se ao menos chovesse para aliviar!
Tomara que chova
Três dias sem parar
Tomara que chova
Três dias sem parar
Nos devaneios de sua busca, sassaricando por lampiões a gás, foi pensando a cada esquina, onde foi parar o sorriso daquela divina, que o tempo deixou para trás. Teria se perdido em um corso, num rancho ou num cordão? Ou estaria vivendo em luxos como francesinha num salão? Para esquecer as mágoas, tem gente que vê alento nas cachaças, e garrafa cheia não quer nem ver sobrar; mas o apaixonado preferiu na folia, sua Colombina procurar. Quem sabe em Paquetá, num piquenique lá na Barra ou numa tarde no Joá? Cansado de peregrinar resolveu pegar um bonde; pediu moeda a quem passava, mas foi aquela confusão; bebeu até cair, e dinheiro não teve não. Foi acordar ainda meio tonto, zonzo e atordoado, cambaleante e assustado, com um índio a esbravejar; por conta de um apito, por conta de um colar!
Lá no bananal mulher de branco
Levou pra índio colar esquisito
Índio viu presente mais bonito
Eu não quer colar, índio quer apito
De um jovem mal-falado teve ajuda para se levantar, encontrando forças na alegria do som de um cordão: bolas pretas a revoar numa alegria infernal, onde todos eram de coração, foliões do carnaval. Reparou na rapaziada, que com bafo de onça ia dizendo no pé, cabrochas gingando, e como tinha mulher! E lá iam caciques brincando juntinho, dando água na boca de quem estava sozinho. Foi aí que o Pierrô deu-se conta do tempo que vagueava, em busca de sua amada que de jeito algum encontrava. Resolveu seguir uma banda que por ali passava, cantando coisas de amor, e atrás gente sofrida, despedindo-se da dor. Cheio de tristeza, mas repleto de saudade e amor, cantarolava pelas ruas sua inebriante dor, sem mais saber o que fazer! Sem seu tormento esconder!
Colombina aonde vai você
Eu vou dançar o iê iê iê
Ao cansar sentou-se no banco de uma velha praça... e reparou que era a mesma praça, o mesmo banco, as mesmas flores e o mesmo jardim dos carnavais de outrora. Notou a velha árvore marcada a canivete, onde um coração desenhado eternizava sua paixão do passado. Então veio-lhe a imagem de sua pequena, num glamouroso baile de carnaval, com uma luxuosa máscara negra, ao som de uma orquestra magistral. Era mais um na multidão sem igual, entre rostos escondidos a transformar a noite num momento especial. Onde está sua Colombina que sumiu, desapareceu? Ninguém sabe, ninguém viu, será que se perdeu? Culpa do tempo, do esquecimento, ou do encanto que morreu? “Quem é você?” “Adivinhas de gosta de mim!” Hoje dois mascarados procuram os seus namorados perguntando assim!
Eu sou aquele pierrô
Que te abraçou
Que te beijou, meu amor
Na mesma máscara negra
Que esconde o teu rosto
Eu quero matar a saudade
Como era bom desbravar ruas, com cara suja de farinha, e terminar a noite num colorido salão, ao som de uma marchinha! A voz do Theatro, da Cinelândia, da Revista, da sétima arte, do artista... que cantava coisas da cidade, era crítica de verdade! Lembrou-se de Chiquinha, e dos gingados da portuguesinha, da brilhante estrela Dalva, Lamartine, Noel Rosa, e de João de Barro, nosso imortal Braguinha! Testemunhas de seu amor pela doce Colombina, desde o tempos da Vassourinha às buzinadas do Chacrinha! Não desistiria de reencontrar a sua amada, declamando na avenida uma ode enluarada.
Saudade mal de amor, de amor
Saudade dor que dói demais
Vem meu amor
Bandeira branca
Eu peço paz
Quando então já desistia, desiludido e descontente, surgiu a sua frente, a sorridente Colombina, toda faceira e irreverente, em perfume, confete e serpentina. Disse a bela encantadora que nunca desaparecera, pois morava “cabrocha” no coração de quem dela não se esquecera; e nem dos grandes carnavais, dos lanças-perfumes e limões de cera. Ainda viveria, por muito tempo nos sonhos de seu Pierrô, ao som de uma doce marchinha, como cantiga de amor... entre o sagrado e o profano, pelas ruas e salões, numa bendita baderna, encantando foliões! Sem carnaval seria impossível a felicidade, histórias de amor, e majestade... nos traços e nos compassos da Maravilhosa Cidade.
Berço do samba
E das lindas canções
Que vivem n’alma da gente
És o altar dos nossos corações
Que cantam alegremente!
Arthur Reiy
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